terça-feira, 1 de novembro de 2011

Eu sou o que eu como e o que eu comi...

Lembro-me, com carinho, de todas as vezes em que sentei no Restaurante Nino de Copacabana e, ainda criança, pude saborear um delicioso Suflê Glacê Grand Marnier. Era o final perfeito dos tantos almoços de domingo. Pai, mãe, irmão e eu.
Tudo começava no bar, aonde sentávamos à espera dos drinks. Ainda garoto, eu escolhia invariavelmente um cocktail de frutas, enquanto meu pai tomava uma vodka on the rocks ou um Martini “sequíssimo” e minha mãe um Campari & tônica. Drinks sempre servidos sobre quadradinhos de guardanapos verdes com a borda de outra cor dobrados. A conversa dos meus pais era, normalmente, sobre gente que eu não conhecia ou lugares que eu ainda não tinha ido e a menos que fosse sobre alguém sentado em uma mesa próxima, o assunto me desinteressava e eu partia com meu irmão rumo aos banquinhos do bar.
Em nossas posições, esperávamos que o barman de sempre nos tomasse a lição. Apontava uma garrafa verde e nos perguntava: - Do que é essa garrafa? Whisky – arriscava eu, Vodka? tentava meu irmão. - Ora, isso é Gin! Mostrava rindo o barman, para depois explicar que tipo de bebida era o Gin e quais os drinks que se fazia com ele.
Algumas garrafas depois, meus pais nos avisavam que era hora de ir para a mesa. Despedíamo-nos do barman e seguíamos em busca do melhor lugar à mesa. Do lado do meu pai a disciplina era mais severa. Do lado do meu irmão, um eterno empurrar de braços. Do lado da minha mãe, tudo tranqüilo, pelo que eu me lembro. Sobre a mesa, pães, manteiga, ovos de codorna, cenourinhas cortadas em tiras e um pão de alho inesquecível. O Nino tinha o melhor pão de alho do Rio de Janeiro da minha infância.
O maître chegava com cardápios e sugestões. Meu avô Luis sempre ria porque mesmo antes de sabermos ler direito, segurávamos o cardápio com toda a classe possível. Meninos de 4 ou 5 anos de idade fingindo ler todas as incontáveis delicias das quatro páginas cuidadosamente bem diagramadas e impressas. Depois de alguns minutos começavam os pedidos: para a senhora um filet de badejo com sauce mauniére e batatas cozidas. Para as crianças camarão à dorê, um com arroz de passas (para mim) e outro com arroz de amêndoas (para o meu irmão), os dois com molho tártaro. Meu pai sempre pedia por último e sempre pedia melhor do que todos nós.
Alguns dos pratos do meu pai são inesquecíveis, vivos no sabor da minha memória até hoje e incluem: paçoca de carne seca, fritada de camarões e o paillard com fetucine. Claro que “paillard com fetucine” não era um prato do meu pai, mas só até o momento em que ele pedia. Quando o prato dele chegava fumegante à mesa, meus camarões pareciam minguar, perder o gosto. Eu ficava de olho, esperando pela generosa garfada que, como sempre, em algum momento, iria ganhar.
Comia meus camarões também, sempre tentando equilibrar cada garfada com um pouco de tudo que tinha no meu prato: um pedaço do camarão, um pouco de molho tártaro e um pouco de arroz, com pelo menos duas passas.
Quando acabávamos, e a minha mãe sempre era a última a acabar, os garçons vinham ligeiros retirar os pratos e o bom maître vinha saber como estava a comida. Meu pai, sempre muito franco, respondia com sinceridade. Nós sempre gostávamos, pelo menos era o que dizíamos.
Hora da sobremesa. Momento especial, porque mesmo antes de chegar ao Nino eu já sabia o que iria pedir: meu tão querido Suflê Glacê Grand Marnier.

Demorava, mas vinha, não sei como em um misto de quente e frio e um delicioso gole de licor em baixo de tudo. Um sabor único. Não tenho como lembrar a receita, tentar copiar nem nada do gênero, mas não tenho como esquecer também o prazer que aquela sobremesa me dava.
Lembro de uma vez em que fiquei extremamente decepcionado com a falta do tal suflê. Meu pai salvou minha sobremesa, mandando um dos garçons dar um pulo no Bob’s que ficava ao lado do restaurante comprar um hot-fudge. Esbaldei-me com aquela delícia para espanto dos demais clientes do Nino e para a nossa total felicidade.Na saída, enquanto o manobrista buscava o carro do meu pai, eu e meu irmão subíamos pelos postes que sustentavam o toldo do Nino. E era tão fácil, tão saboroso.

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